Análise: onde 'Apeshit', de Beyoncé e Jay Z, e o filme senegalês 'Touki Bouki', de 1973, se encontram
Beyoncé e Jay Z pegaram o mundo de supresa no último sábado com o lançamento do "Everything Is Love" e também do clipe para a canção "Apeshit".
'Everything Is Love': Beyoncé e JAY-Z lançam álbum surpresa; assista ao novo clipe
O vídeo, que foi filmado no museu do Louvre, em Paris, é preenchido por famosas e belas obras de arte como a "Mona Lisa", de Leonardo Da Vinci.
No Twitter, o fã Kyle (@kyalbr), que mora nos Estados Unidos, analisou [link] o clipe e encontrou conexões entre o vídeo e o filme senegalês "Touki Bouki" ("A Viagem da Hiena"), lançado em 1973 e dirigido por Djibril Diop Mambéty.
Abaixo, como dica de um dos nossos seguidores (Dih Cerqueira), traduziremos a sequência de tuítes publicados por Kyle no último domingo, 17.
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Então, eu acho que "Apeshit" ("AS" como ele chama ao longo do texto) tem a intenção de servir como o epílogo de "Touki Bouki", o filme no qual eles criaram a narrativa de sua turnê.
Um filme sobre fuga, e Beyoncé cantando "I can't believe we made it" ("Não posso acreditar que conseguimos") em AS parece que eles chegaram em algum lugar.
Aqui algumas ideias:
Uma peça de vanguarda, a história é sobre um "menino pobre mas carismático" (Mory) que sonha em deixar sua aldeia para a promissória Paris.
O título do filme significa "a jornada da hiena" e ele se sente como o animal felino na maneira como ele procura e persegue seu caminho para fora dessa sua atual vida.
Em Dacar, capital do Senegal, ele junta-se à sua amada, Anta, e juntos os dois pensam em diferentes planos de como conseguir dinheiro suficiente para escapar.
Por fim, eles roubam um extravagante e rico homem e conseguem o dinheiro para navegarem rumo a Paris. O homem chama a polícia para eles.
"Ele queria ir para a Europa, ele precisava de dinheiro e veio até mim. De qualquer forma, ele é fácil de ser reconhecido. Ele é alto com o cabelo bagunçado: parece um hippie."
Agora, observe as imagens de "Touki Bouki", a moto enfeitada com o crânio de um touro na frente. O primeiro verso de Jay Z em AS é o seguinte:
"Eu sou um gorila em um conversível
Vou fazer uma parada no zoológico
Eu sou uma junção de Chief Keef e Rafiki
Quem anda mentindo que é o rei para você?"
Chief Keef é um rapper que coincidentemente também lançou uma música com o mesmo nome em 2013. Rafiki é um personagem do desenho "O Rei Leão", da Disney, cujo título soa quase ambíguo na última frase ("Who been lyin' king [Lion King] to you").
No fim do filme, Mory não consegue deixar o Senegal, mas Anta decide deixá-lo e parte no navio para Paris sozinha.
Em AS, e por decisão própria, Beyoncé decide metaforicamente continuar trazendo Jay Z com ela em sua viagem.
Eu não acho que é apenas a presença da Beyoncé, mas ela domina o vídeo de AS. O vídeo é dela e ela trouxe Jay Z junto.
Realmente parece a frustração dos fãs: que ela está sempre o levando junto para todos os lugares.
Mas é exatamente isso que Anta não fez. Então, esse é o fim alternativo de Beyoncé.
Agora, a cena mais interessante do filme (e há várias) é essa: Mory e Anta se preparando para deixar o Senegal enquanto ao fundo Josephine Baker canta Paris, Paris, Paris (maravilhosamente) repetidamente.
Now, the most interesting scene in TB (and there are a ton) is this one.
— KYLE A B (@kyalbr) 17 de junho de 2018
Mory and Anta setting out to depart Senegal as Josephine Baker's Paris, Paris, Paris is (beautifully and oddly) looped.
You hear the loop, right? It's a noticeable director's decision. pic.twitter.com/2ANTitXgEl
Consegue ouvir a repetição no vídeo acima? É notávelmente uma decisão do diretor.
Essa repetição é muito interessante. A voz de Baker é, sem dúvidas, um sonho. Mas, em "Touki Bouki", os personagens ficam presos nesse sonho.
O verso de Beyoncé ("Não posso acreditar que conseguimos") soa libertador.
"Touki Bouki" saiu em 1973. Então, o diretor devia saber do seguinte:
Josephine Baker foi a única oradora oficial da Marcha de Martin Luther King em Washington (1963) e após o assassinato de King, Coretta [esposa de King] pediu a Baker que o substituísse, mas ela recusou.
Em sua carreira, Baker foi famosa (em parte) por se recusar a tocar em clubes segregados. Foi essa atitude e a vivência de soldados e de escritores e músicos negros do Renascimento do Harlem em Paris, que criaram uma paixão ainda viva pela capital francesa na comunidade negra.
De qualquer forma, no final de "Touki Bouki", há uma cena não narrativa de dois franceses brancos conversando, e um deles repudia completamente o conceito de arte africana.
"E o que compraríamos aqui, máscaras? Arte africana é uma piada inventada por jornalistas que precisam vender."
É como se Beyoncé notasse isso e dissesse: aqui! Aqui está minha merda de macaco*, então! Na porra do seu Louvre! Ui...
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*Apeshit, que como gíria em inglês significa um momento de euforia como, por exemplo, uma plateia indo à loucura em um show, também pode significar "merda de macaco" quando separada (ape shit).
O autor do texto também recomenda que, quem puder, procure o filme para assistir. Há alguns sites que o disponibilizam para download.